Woody Allen: “Não me interessa o meu legado”
Polêmico diretor faz um longo desabafo sobre sua carreira, em meio a polêmica de abuso sexual e do movimento #MeToo
Em entrevista ao El País, Woody Allen, diretor americano vencedor de quatro prêmios Oscar, fez um longo relato sobre a sua vida, opiniões e perspectivas sobre o cinema americano. Allen, que em 2018 viu retornarem as denúncias de que teria estuprado sua filha adotiva, Dylan Farrow, quando ela tinha 7 anos, não terá veiculado nos Estados Unidos seu mais novo filme, Um Dia de Chuva à Nova York. A obra chegará aos cinemas em 11 de outubro, na Espanha e em outros países, com estreia prevista para janeiro de 2020 no Brasil. O longa seria produzido pela Amazon, que, após as acusações de abuso sexual do diretor terem retornado, junto ao cada vez mais forte movimento #MeToo, encerraram a parceria. O divórcio resultou numa ação de 279 milhões de reais por Allen.
Um Dia de Chuva à Nova York será o 50° filme do diretor, que, mesmo sem poder falar sobre a disputa legal contra a Amazon, e não se mostrando muito aberto a responder questionamentos sobre Dylan Farrow, fez um longo desabafo sobre a vida, e em especial, ao fracasso: “Nos EUA não existe tolerância ao fracasso. E é terrível ensinar isso às crianças. Devemos estar dispostos a fracassar, sobretudo na minha profissão”. Allen denomina essa aversão ao erro como a “morte do artista”, que não se arrisca pelo medo das consequências. E isso, para ele, “é um maneira terrível de viver”.
Perguntado sobre a questão do abuso, o diretor afirmou se tratar de um erro e de uma injustiça. Disse que procura focar no trabalho e em sua família, mas que, mesmo assim, “não me impede de pensar que a vida é uma experiência triste”. Woody Allen, assumidamente um pessimista, tem a visão de que não há outra maneira de viver a não ser por esse caminho. “O pessimismo e o realismo são a mesma coisa.” (…) “é assim que o mundo é, então creio que sou realista”. Visão de mundo essa que influi diretamente na sua concepção sobre a vida: “A vida carece de sentido. Você sabe que vai morrer. Que as pessoas que ama vão morrer. Não gosto disso”.
Por essas declarações, fica mais fácil compreender a linguagem e as temáticas de seus filmes, nos quais a crise existencial é marca registrada. Todas essas questões melancólicas levantadas pelo cineasta resultam, então, no que talvez seja o ponto mais forte de suas respostas: o legado como diretor. Um tópico, segundo Woody Allen, que não lhe interessa nem um pouco: “Não me interessa o que farão com os meus filmes quando eu já não estiver, podem jogá-los no mar”. Trata de enfatizar que a posteridade não lhe importa, justamente o contrário: “Você acha que, quando tiver fechado os olhos, eu me importarei se as pessoas veem meus filmes ou não?”.
Aos 83 anos, Woody Allen se encontra em um momento que, mesmo com disposição para fazer novos filmes, as grave acusações contra ele, além da crescente ascensão do movimento #MeToo em Hollywood, pode ser que vá perdendo espaço na indústria. E, caso isso aconteça, o diretor tem outros planos, não relacionados diretamente ao cinema: “Sempre que houver gente disposta a me financiar, farei filmes”, conta. “E quando me disserem que são terríveis e que já não me financiarão, eu me dedicarei a escrever só peças de teatro. E se não der certo, escreverei livros”, encerra o diretor.