Deep Web – Como estar dentro da lei nem sempre significa estar certo
Deep Web é um documentário de 2015 que conta a história do mercado anônimo, Silk Road. O documentário leva a narração de Keanu Reeves.
AVISO: Este é um artigo de opinião do redator, logo, não retrata a visão da Cinerama.
Um bom resumo à esse artigo seria, talvez, uma pergunta: Nós temos liberdade?
O documentário
O documentário ‘Deep Web’ (2015) vai muito além do que já conhecemos sobre este lado deserto da internet, isso é devido, talvez, por não se tratar de algum tipo grotesco de comércio ou violência explícita. Na verdade, temos Keanu Reeves narrando a história do mercado online ‘Silk Road’.
A história começa com uma bela introdução ao Estado e como ele teme ações que questionam a sua funcionalidade. Ora, Silk Road bateu milhões em transações de bitcoins, método esse que é irrastreável. Sem rastreio, sem imposto. E sem imposto, sem lucro no bolso de políticos e corporativistas.
Ross Ulbricht é o ‘personagem’ principal do documentário. Suspeito de ser um dos administradores do site, Ross também era conhecido como ‘Dread Pirate Roberts’, uma referência ao icônico personagem de cinema.
Silk Road foi um site de trocas livres dentro da Deep Web. Ainda nele existia o fórum, onde os usuários do site se comunicavam e compartilhavam de ideais e discussões filosóficas, éticas e, claro, o questionamento do poder estatal.
O site carregava a ideia de oferecer a venda de entorpecentes de forma segura, rápida e de alta qualidade. Mas pode parecer brincadeira, mas como era um comércio livre na internet, as vendas tinham frete incluso e as pessoas não corriam o risco de ir em uma boca de fumo para comprar seu entorpecente. Isso aumentou as vendas, porém, fez o Estado sentir a ameaça.
Contudo, o Governo se sentiu ameaçado com o site, isso porquê além da Silk Road não precisar viver da guerra às drogas, que todos sabemos que é inútil e só serve pra vender campanha, as transações de bitcoin e o comércio na Deep Web mantinham o anonimato tanto dos vendedores quanto dos compradores. E isso levou o FBI à iniciar uma investigação pra derrubar o site e prender Ross Ulbricht.
Sobretudo, o documentário ainda mostra algumas pontas soltas da investigação, como por exemplo, a descoberta dos servidores do site pelo FBI. Mesmo com uma explicação oficial, isso gerou polêmica e especialistas ainda disseram que “isso é impossível”.
A Ética libertária
Ross defendia/defende ideais libertários, como Agorismo e a total autonomia política e social, incluindo acesso total ao direito do indivíduo de escolha sobre o que pode usar no seu corpo ou não, sem violar o Princípio de Não Agressão de outra pessoa.
Afinal, vivemos sob julgo de governos, onde ditam o que você pode ou não fazer, relativizando o que é certo e o que é errado. Por que vender ou comprar entorpecentes é tão errado e leva a mesma punição que assassinar alguém? Ora, onde estão os princípios? A lei positivada pode valer mais que a própria ética?
Assim, todo o enredo nos traz exatamente essas questões. Como um jovem que nunca machucou ninguém e nunca sequer colaborou para isso, foi condenado por toda sua vida, simplesmente por pregar liberdade individual e um mercado que tem a ética como a própria restrição.
Aliás, a condenação de Ross foi além das leis estatais, já que a própria mídia o demonizou e sequer pararam pra questionar se era correto o que tinha sido feito com ele.
Sobre o site
Silk Road (em português, ‘Rota da Seda’) foi um mercado operante através da Deep Web que utilizava a rede Tor, assegurando assim o anonimato de compradores e vendedores no comércio de produtos ilícitos, particularmente estupefacientes.
O site foi lançado em fevereiro de 2011. Os compradores podiam registrar-se na Silk Road de graça, mas o vendedor devia adquirir novas contas por meio de leilões para supostamente mitigar a possibilidade de indivíduos mal-intencionados distribuírem mercadorias danificadas.
A partir de 2012, as vendas anuais eram estimadas em 22 milhões de dólares norte-americanos. Em março de 2013, o site contava com 10.000 produtos à venda por fornecedores, dos quais 70% eram drogas.
Carteiras de motorista falsas também foram oferecidas para venda. Os termos de serviço do site proibiam a venda de certos itens. Quando o mercado do Silk Road começou, o criador e os administradores instituíram os termos de serviço que proibiam a venda de qualquer coisa cujo propósito fosse “prejudicar ou defraudar”. Isso incluía pornografia infantil, cartões de crédito roubados, assassinatos e armas de qualquer tipo; Outros mercados da darknet, como o Black Market Reloaded, ganharam notoriedade para o usuário porque não eram tão restritivos nesses itens quanto as restrições do Silk Road.
Em outubro de 2013, o FBI fechou o site na Deep Web e prendeu Ross William Ulbricht, acusando-o de ser “Dread Pirate Roberts” ou DPR, o proprietário do site. Em 6 de novembro de 2013, foi lançado o site Silk Road 2.0, por antigos administradores do Silk Road. Este também foi fechado, e o seu suposto operador foi preso em 6 de novembro de 2014, no âmbito da chamada “Operação Onymous”, uma operação policial internacional contra os mercados darknet e outros serviços ocultos operantes na rede Tor.
Ulbricht foi condenado à prisão perpétua.
(Wikipédia)
Dread Pirate Roberts – Relato
Este abaixo é o relato triste e emocionante de Ross Ulbricht depois de preso:
“Fui algemado pela primeira vez quando tinha 29 anos. Fui rotulado como prisioneiro naquele dia e desde então passei 2.096 dias e noites no cativeiro do governo federal dos EUA. Eu ainda estou na prisão, condenado a morrer aqui com uma sentença de prisão perpétua e sem liberdade condicional. A prisão não é nada se não é chata, então eu tive muitas horas para pensar sobre todo tipo de coisa, incluindo quem, se alguém, realmente pertence a isso aqui.
Depois da minha prisão, a promotoria e a mídia fizeram grandes esforços para me demonizar para o público e depois para o júri no julgamento. Isso dói. Eu costumava acreditar que não me importava com o que as pessoas pensavam de mim, que meu senso de valor era intrínseco e objetivo. De repente, inúmeras pessoas estavam encontrando um espantalho, não eu, mas um “criminoso perigoso”. É mais fácil condenar um vilão, então teve que parecer que mereço isso. Isso é punição afinal, e seria injusto de outra forma.
Um senso de justiça é fundamental para nossa natureza. Faz parte da cola que mantém a civilização unida. É o teste de justiça. A injustiça gera indignação e o desejo de corrigir o mal, mas a indignação pode ir longe demais. Tem um lado sombrio chamado vingança. Existem dois lados da mesma moeda.
A mente inclinada à vingança procura equilibrar as escalas: dor pela dor. “Ele merece o que recebe”, insiste. “Ele deve pagar.” Em vez de ser um cheque sobre a injustiça, torna-se uma desculpa para isso. Como alguém que está recebendo isso, que já conheceu centenas de outras pessoas na mesma posição, estou lhe dizendo, ninguém merece isso.
Eu não reivindico que não precisamos manter algumas pessoas separadas da sociedade livre. Como Solzhenitsyn escreveu em sua famosa frase: “A linha de batalha entre o bem e o mal atravessa o coração de todo homem.” Alguns são possuídos por seu lado sombrio e podem ser esperados atacarem violentamente os fracos e vulneráveis. Há pessoas assim aqui. Isso não significa que eles “mereçam” isso ou aquilo que eles não podem mudar. Significa apenas que a separação humana é a única opção até que eles o façam. Mas isso não é humano.
Muitos dos meus companheiros de prisão não têm apoio do exterior. Seus entes queridos morreram durante sua longa estada aqui, abandonaram-nos ou se voltaram contra eles. Todos nós somos cortados em algum grau. Procuramos fugas mentais de todo tipo – algumas construtivas, outras destrutivas – para evitar enfrentar o horror abjeto de nossa situação. A violência é comum e a tensão que ela traz é o ar que respiramos. Forçar alguém a passar anos ou décadas desse jeito, acordando todas as manhãs, é cruel. Se você não concorda, vou provar para você.
Imagine a pior tortura que você pode imaginar que não deixa a vítima desabilitada, algo que você não pode negar que é cruel: queimar, flagelar – faça a sua escolha. Se as próprias vítimas prefeririam que esta tortura fosse aprisionada, a conclusão inevitável é que a prisão é pior, ainda mais cruel. Eu, e todo prisioneiro que eu pedi, preferiria qualquer quantidade de dor e crueldade, por um período limitado, aos anos e décadas que somos obrigados a passar aqui – espíritos esmagados, esperança abandonada, relegada à irrelevância.
Ninguém merece isso, mesmo que eles tenham que fazer por causa da segurança dos outros. Certamente, muitos infratores não violentos da legislação antidrogas envelhecem aqui, não. A dor não cura a dor. Uma alma perdida não é redimida em uma jaula.
A vingança e a crueldade não são aspectos de nossa natureza a serem honrados e institucionalizados. Eles são básicos e destrutivos. Eles feriram todas as partes. Nossas famílias e comunidades estão sofrendo. A humanidade está sofrendo. A dor do outro ser humano também é sua dor, embora esteja trancada em prisões remotas.
Nós podemos fazer melhor. Temos o potencial para nos elevarmos acima dessa escuridão, para nos orgulharmos de quão humanamente tratamos os prisioneiros e quão poucos precisamos rotular com esse rótulo. Em vez disso, distribuímos anos, décadas e vidas de prisão para praticamente todas as pessoas que o governo alveja. Continuamos a criar células como a que estou escrevendo.
Prisioneiros não são mercadorias em um estoque. Nós não somos números ou estatísticas. Somos seres humanos e não merecemos isso.”
Site oficial de apoio a Ross Ulbricht: www.freeross.org