A desigualdade social é um tema recorrente no cinema. Longas-metragens mais antigos, como Titanic de James Cameron, ou até obras mais recentes, como Nós de Jordan Peele, fizeram uso dessa discussão. Além de ser o melhor filme do ano, Parasita disseca esse fato social de forma brilhante.
Não é fácil apresentar uma nova visão sobre as diferenças entre as classes sociais. Tal como, não é qualquer filme que possui a engenhosidade de entregar um subtexto capaz de fazer o público refletir por um longo período, após os créditos finais. Mas, existe um diretor sul-coreano, chamado Bong Joon-ho, que ousou e acertou, ao apostar nessa temática. O cineasta entrega uma nova roupagem desse assunto, enquanto leva seu público do riso ao choque em questões de segundos com o filme Parasita.
Sinopse do filme Parasita:
Na história do filme, toda a família de Ki-taek está desempregada, vivendo em um porão sujo e apertado, mas uma obra do acaso faz com que o filho dele comece a dar aulas de inglês a uma garota de família rica. Pouco a pouco, seus familiares começam a trabalhar no mesmo local.
Não se espante, se em algum momento do filme você sentir vontade de gargalhar com as situações bizarras. Assim como, colocar as mãos na boca, abafando um grito de agonia. Parasita é um filme que consegue transitar entre o humor, o drama e o suspense, respeitando cada um desses gêneros, usufruindo das oportunidades narrativas. Essa é a grande eficiência do roteiro, amarrando toda a trama sobre estes gêneros, sem deixar o filme parecendo um monstro de Frankenstein. Repleto de reviravoltas, a história segue um caminho imprevisível, rendendo momentos marcantes.
Outro grande acerto do filme é a direção de arte. Os cenários não são apenas um mero pano de fundo; tudo em tela possui uma grande relação com a premissa do filme, pois as casas e os móveis sempre fazem alusão ao tabu riqueza x pobreza. E nem é preciso ter um olhar criterioso, pois o contraste salta na tela, quase como um grito.
Contribuindo com esse acerto está a fotografia, que sabe muito bem como captar a essência de cada um destes ambientes, seja no porão da família pobre, ou na mansão da família rica, ou nas ruas que conectam esses polos opostos.
Bong Joon-ho já dirigiu filmes excelentes, como o Expresso do Amanhã, O Hospedeiro e Okja (disponível na Netflix). O trabalho de direção feito por ele é detalhista, magistral e peculiar. Ele domina muito bem o ritmo da narrativa, sem deixar que o filme “morra” em momentos desnecessários.
Joon-ho, além de dirigir a película, roteirizou o filme ao lado de Han Jin-won. Um dos méritos do roteiro é a sátira social presente nos diálogos. Logo de cara, os personagens estão fazendo algo que todos nós já fizemos alguma vez na vida. E, ao longo da projeção, podemos reconhecer algumas situações do nosso dia a dia. O roteiro entende as oportunidades que o tema oferece, criando uma narrativa que ascende rumo ao clímax, que cá entre nós, é inesquecível, chocante, e qualquer outro adjetivo que seja sinônimo de surpreendente.
A trilha sonora consegue caminhar de mãos dadas com o roteiro, sendo encaixada nos momentos certos e de forma coesa com a proposta do longa. Todo o conjunto sonoro do filme respeita a atmosfera híbrida, seja nas cenas cômicas, nos momentos repletos de mistérios, ou em partes dramáticas. Pontual, a trilha sonora é quase um personagem dentro da história.
Choi Woo-shik, que interpreta Ki-Woo, o filho da família pobre, é o primeiro parasita que conhecemos. O ator consegue entender essa junção de gêneros no roteiro, construindo um personagem que vai crescendo ao longo do filme.
Song Kang-ho (o pai da família pobre) é o grande destaque do filme. Com cenas desconfortáveis, que sempre colocam seu personagem em situações bizarras, o ator consegue ir do ponto A ao ponto B, e depois para o ponto Z, sem descaracterizar a evolução do personagem. A riqueza na interpretação corporal e facial do ator nos dá toda a compreensão das atitudes dele.
Park So-dam, que interpreta a filha da família parasita, incorpora muito bem os dois lados da moeda presente em sua personagem. A personalidade de fachada e a personalidade verdadeira tornam o papel dela difícil, mas ela tira isso de letra, convencendo até mesmo nós que sabemos de toda a verdade.
Todo o elenco do filme é majestoso, e merecem nossa aclamação. Alguns com mais tempo em tela, outros com menos, mas de uma forma geral, o cast é excelente.
Se você pesquisar o significado da palavra parasita, encontrará dois resultados. No ramo da biologia, o conceito desse termo é “diz-se de ou organismo que vive de e em outro organismo, dele obtendo alimento e não raro causando-lhe dano“. Outro significado dessa palavra é “diz-se de um indivíduo que vive à custa alheia por pura exploração ou preguiça“. Acredito que seja o suficiente para você captar no ar o que o filme abordará. Mas, acredite, por mais que você pense que saiba o rumo que a história tomará, você jamais chegará perto de prever o desfecho.
Fuja de qualquer spoiler! Pois a surpresa é elemento fundamental na hora de assistir.
Parasita é evidenciado a cada dia, sendo um dos favoritos para o Oscar 2020. Seria emblemático ver a vitória de um longa estrangeiro, vencendo na categoria principal do maior prêmio da sétima arte. Um filme denso, reflexivo e repleto de camadas, que eleva a crítica envolta da luta de classes. Uma obra cinematográfica que ficará “parasitando” sua mente durante muito tempo.
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