Crítica | O Irlandês – A aposta da Netflix para o Oscar 2020
Ano passado, a parceria entre Alfonso Cuarón e a Netflix gerou bons frutos. Foram dez indicações ao Oscar com o longa metragem Roma. Esse ano, o serviço de Streaming repete a fórmula, com outro renomado diretor: Martin Scorsese. O filme em questão é O Irlandês.
Na trama, Robert de Niro interpreta Frank Sheeran, um veterano de guerra que concilia sua vida profissional, ora como um caminhoneiro, ora como um assassino de aluguel da Máfia. Quando o ex-presidente da associação (Al Pacino) desaparece, Sheeran se torna o suspeito principal.
O filme é baseado no livro “Heard You Paint Houses“, do autor Charles Brandt. O roteiro adaptado é de Steven Zaillian, que executa seu trabalho com excelência, pois consegue situar muitos personagens na narrativa, sem menospreza-los. Um dos grandes acertos do filme é o modo como a história é contada. Zaillian consegue criar diálogos sarcásticos e memoráveis. Além de situar o espectador durante as fases do filme, sem perder a mão em cenas expositivas ou tornar a história caótica. A quebra da 4ª parede consegue arrancar alguns risos do público, ao satirizar os diálogos dentro da narrativa; tudo acontece de forma natural, sem causar estranhamento.
Robert De Niro, já provou que é capaz de atuar em qualquer gênero, seja drama, comédia ou suspense. Não é diferente aqui, ao dar vida ao personagem título do filme. O ator incorpora Frank Sheeran de forma brilhante, dando-lhe a profundidade que o roteiro pede. De Niro constrói um personagem com muitas camadas, ora observamos um soldado de guerra cumprir ordens, ora assistimos um pai enlouquecido, protegendo sua filha. As falhas, sonhos e anseios do personagem aparecem em tela, desenvolvendo-o na medida que o roteiro segue seu fluxo narrativo.
Al Pacino não decepciona (como se alguém esperasse isso!). Seu personagem é uma figura central na trama. Interpretando Jimmy Hoffa, o ator encontrou a linha tênue entre o mafioso assustador e o Homem de Negócios de pavio curto. Em todas as cenas, Pacino rouba os holofotes e entrega uma de suas melhores atuações. O roteiro aqui, mais uma vez, se mostra eficiente, pois desenvolve o arco do personagem de forma linear, dando tempo para nós o conhecermos. E quando digo “conhecermos” estou sendo literal, pois até o tiques e manias estão presentes na atuação de Pacino.
Anna Paquin (a eterna Vampira da franquia X-Men) aparece muito pouco, o que decepciona, pois o filme tem mais de 3 horas de duração. Sua versão criança, em contrapartida, consegue ter mais desenvolvimento em tela, como filha de Frank Sheeran. O olhar da garotinha carrega todo o medo e desconfiança, em ter um pai que leva uma vida dupla.
Os atores como Joe Pesci, Harvey Keitel e Jesse Plemons estão bem em seus papéis, assim como os demais atores.
No aspecto técnico, o filme faz outro acerto. É notável o trabalho dos Efeitos Especiais. A técnica de rejuvenescer digitalmente os atores, para apresentar a versão mais nova de seus personagens é tão real, que esquecemos como os atores estão hoje em dia. Ver isso em tela, deixa nítido o alto investimento da Netflix nesse projeto. O resultado final é convincente.
A direção de arte consegue transpor de forma sensorial a ambientação de O Irlandês, sejam nos figurinos, na paleta de cores ou nos objetos cenográficos. A trilha sonora possui forte contribuição para essa imersão, pincelando momentos chaves do filme com notas mais clássicas.
Scorsese, dono do Oscar de Melhor Diretor pelo longa Os Infiltrados, mais uma vez prova sua competência em mesclar tramas que envolvem violência urbana e fatos históricos. A assinatura do diretor está lá, no decorrer da projeção, inclusive nas cenas em que Robert De Niro dá um show de atuação. É a nona vez que ambos trabalham juntos. Uma parceria que dá muito certo, vide filmes como Os Bons Companheiros, Táxi Driver e Cassino. Alguns podem até se questionar “Outro filme de Martin Scorsese sobre crimes?“. E a resposta é “Sim!“. Todavia, o diretor mantem sua identidade cinematográfica, entregando um filme de qualidade, em todos os quesitos
Ainda existe um certo burburinho, quando proclamam as palavras “Netflix” e “Oscar” na mesma frase. A exibição do filme O Irlandês em salas de cinema, antes de estrear oficialmente no catálogo da Netflix, serve para cumprir regras de elegibilidade para o Oscar.
Ao fim da projeção, quando o nome do aclamado diretor Scorsese surge na tela pode-se compreender a magnitude deste filme. Com um final realista, sem medo de abraçar o pessimismo, o longa metragem entrega respeitosamente um desfecho minimalista, respondendo ao mistério que surge na primeira cena. Se eu pudesse apostar as minhas fichas, eu apostaria junto com a Netflix.
Enfim, é de se esperar que o filme marque forte presença na temporada de premiações, abocanhando muitas estatuetas. Não é de hoje que o Scorsese ganha os críticos e o público. Com O Irlandês, o diretor reafirma esse status, entregando um filme a altura de sua consolidada carreira no cinema.
Veja também: Babylon | Damien Chazelle dirigirá novo longa