Não é fácil assistir a um filme do Lars Von Trier e nós não vamos fingir que seja; normalmente os filmes são construídos sobre diversas referências artísticas que estão fora do cotidiano da maiora das pessoas, como o uso da música clássica, pinturas e o uso absurdo de referências cinematográficas de filmes antigos. Poucos cinéfilos podem bater no peito e dizer “eu entendi todas as referências desse filme” e cá para nós, de verdade, eu acho que quem fizer isso estará mentindo um pouquinho.
Qual é a boa notícia? Não é preciso saber todas as referências nem ser um catedrático para poder apreciar e entender Lars Von Trier
O filme Melancolia, lançado em 2011, é um ótimo exemplo de como dividir o público entre; esnobes pretenciosos que acreditam ser a nova maravilha do mundo, portadores das verdades absolutas da Arte com A maiúsculo e completos desencanados que não entendem, não querem entender e honestamente acham muito chato do outro lado. Pois é, para que você não seja nenhum deles nós vamos tentar te dar uma dica chave de como poder apreciar este filme denso, que trata de um assunto muito complexo sem cair na pretensão nem no tédio. Vamos lá.
O filme Melancolia trata especialmente de depressão. E aí você vai me dizer, não sofro de depressão, nunca sofri, não conheço ninguém que sofre e não gosto do tema, acho pesado e acho chato, não quero saber, não conheço o sentimento!!
Ah, conhece sim… você conhece
Imagina que você participou de um relacionamento, você teve uma namorada, amigo, familiar e conviveu com essa pessoa por um bom tempo. Vocês foram a diversos lugares juntos e fizeram muitas coisas, já trocaram presentes, emprestaram, construíram, brigaram, vocês trocaram marcas juntos, quando você entra em casa essa pessoa está espalhada por todo o ambiente.
Um livro que você ganhou dela, um cartão, a falta de um dvd que você emprestou e ela nunca mais devolveu (e você nem quer o dvd mesmo, já baixou o torrent em Blueray, por que será que o espaço na prateleira continua vago?)
Agora imagina dois desfechos para este cenário.
A pessoa continua bem, continua tranquila e vocês mantém contato; o relacionamento, embora tenha recebido o efeito natural da passagem do tempo, progride normalmente, todas as vezes que você encontra as marcas desta pessoa na sua casa, e na sua personalidade, você lembra dela com carinho e compreende que o tempo passou, dá saudade mas faz parte da vida estar triste, as coisas são assim.
O segundo cenário é, essa pessoa morreu, um dia ela bateu o carro quando estava vindo para a sua casa e o óbito foi instantâneo. Um voz desconhecida te avisou da morte pelo telefone e daquele momento em diante a vida havia feito uma transformação repentina demais para você digerir, como… Como estar no meio de um banho quente e de repente cair água gelada e você não ser capaz de sair de baixo do chuveiro.
A primeira reação para o segundo cenário é o sentimento de desconexão com o tempo corrido, as horas passam, o relógio funciona, o metrô chega, as pessoas trabalham e saem para almoçar, mas nada se move dentro de você, e não se trata de prostração, não estamos falando dos casos mais complexos da doença quando a pessoa não é funcional, neste nosso exemplo você continua atuando, come, dorme, dá risada e faz o seu horário de almoço contudo de algum modo o tempo não corre mais dentro de você.
Os vestígios da pessoa se tornam um museu de tudo o que você perdeu, inexiste a saudade complacente, o espaço vazio de tudo o que está faltando começa a ter mais valor do que o espaço ocupado por tudo o que está presente. Você começa a ser um aficionado por copos meio vazios.
Melancolia do Lars Von Trier é, além de muitas coisas, uma referência visual para este sentimento, suas cenas são desconexas, o senso de passagem do tempo não existe, permeia a falta. É da falta que sobrevive a depressão, mesmo a falta de tristeza.
Um filme complexo para expressar um estado complexo, contudo, e eu sinto muito por bater nessa tecla, Melancolia é um filme importante, pois ele fala de uma doença que ninguém dá para ela o devido valor (EU SEI, isso você já leu MUITO em muitos sites e está lendo aqui novamente, pois é, leve a sério).
O que nós não estamos dizendo…
Nós não estamos dizendo que você deve parar agora mesmo de assistir pela décima vez How I met Your Mother e fundar uma ONG para pessoas que sofrem de depressão, não, você pode rir e é preferível que você seja uma pessoa muito feliz, tomara mesmo, só estou dizendo que filmes como Melancolia são necessários e fundamentais para que você possa evoluir como pessoa e conhecer um pouco mais sobre si mesmo. Nada como encarar um filmezinho difícil de vez em quando.
Nossa mas você ia falar do filme Melancolia, não falou e falou sobre depressão, mas que po…?
É que não tem como, eu não posso simplesmente te empurrar a minha interpretação para o filme porque eu honestamente acredito que isso seria pretensão demais, eu não sei como você vai reagir a este filme, tudo o que eu sei é que seria bem legal se você se desarmasse um pouco e encarasse essa obra, mesmo que ela seja difícil, pois eu realmente acho que se você fizer isso vai encontrar em Melancolia uma ótima fonte de inspiração para os momentos ruins, não como um livro de auto-ajuda-coach faria mas como uma fonte de arte que te entende e não tem preconceitos.
E você, o que acha? O que achou do filme e o que você encontrou nele? Comenta aí