Crítica: Hereditário
Hereditário é para mim um dos melhores filmes de terror de todos os tempos, confira aqui no Demonstre a crítica desse terror dirigido por Ari Aster.
Hereditário, o herdeiro maior
É comum vermos pessoas tecendo comentários sobre como tal filme “copiou” de um filme mais antigo que ele e é natural que as pessoas busquem originalidade e pioneirismo no que consomem, no entanto, é necessário entender que plágio e referência são duas coisas bem distintas.
Hereditário conta a história de uma família que perde a sua matriarca, demarcando cada traço de convivência com cada membro da família após sua morte e a sua relação mais próxima com a sua neta caçula, Charlie.
Com o desenrolar da narrativa se percebe que a sua relação de fascínio não usual pela garota possui interesses muito maiores.
Hereditário é o tipo de filme que você assiste e logo pega, se tiver um bom repertório de filmes do gênero, as referências utilizadas pelo diretor Ari Aster para o desenrolar da narrativa.
É possível identificar referências gráficas de O Exorcista, referências narrativas de O bebê de Rosemary, e tudo isso é normal, principalmente quando utilizado de tão boa forma quanto Aster utilizou em Hereditário.
Filmes importantes deixam legados que devem ser aproveitados para enriquecer narrativas posteriores, isso é referência e não faz o filme perder a sua originalidade, diferente do plágio, que é uma mera cópia.
A cinematografia de Hereditário
Após a morte da matriarca, que dá o tom inicial do filme (não sendo assim um spoiler de fato), nos é apresentado o resto da família que fica. Nisso identificamos sua filha, a mãe da família e seu trabalho: uma artista que produz maquetes para grandes obras.
Os maçons chamam Deus de “o grande arquiteto do universo”, e como podemos identificar nossa vida como uma obra em constante construção, é de se imaginar pela lógica que Deus, como arquiteto, esteja sempre a observar e mexer os pauzinhos para que tudo saia como planejado por ele. Mas e se Deus não for o único arquiteto a mexer os pauzinhos dessa obra?
Com o uso constante de grande angulares, Ari Aster destina o ofício de construtor de maquetes não apenas à mãe da família, mas a algo maior, invisível, que nos é apresentado já nos primeiros planos do filme e nos acompanha até o fim.
Sempre com planos abertos da casa, interior e exterior, com seus habitantes caminhando minúsculos, como bonecos a serem manipulados, inclusive por luzes que apontam as direções que devem seguir, como que controlados por uma organização que foge totalmente as suas compreensões.
Hereditário e a segurança familiar
Em tempo como os de hoje, onde o valor da família é tão citado como relacionado a segurança e proteção do ser para o seu desenvolvimento, é necessário lembrar que nem toda família age como nos é apresentado pelos comerciais de margarina.
Hereditário, a partir já do seu título, deixa explícito que esse caráter protetor da família não é tão absoluto assim.
O perigo quando vem da família é duplamente assustador por ser algo que você convive diariamente, e por ser hereditário (não havendo assim, escolha), é triplamente desesperador, principalmente tratando-se de algo sobrenatural que não se tem controle.
Você foi escolhida para aquilo desde antes do seu nascimento e não há para onde correr, não tem escapatória, não tem a quem recorrer, você nasceu para aquilo, um membro da sua família que deveria cuidar de você e te proteger, impôs aquilo sobre você e não há nada que você possa fazer. Daí, um dos horrores de Hereditário.
A representação demoníaca em Hereditário
Se alguém chegar e falar que hereditário é um filme sobre aparições e possessões demoníacas provavelmente várias pessoas que ouvirem isso farão uma cara de desprezo imaginando que já existem centenas de filmes com a mesma temática, no entanto, é necessário ressaltar que os elementos de Hereditário impõem nessa presença demoníaca uma originalidade cirúrgica.
É comum a presença, em vários filmes, de tabuleiros ouija, de demônios com nomes genéricos criados apenas para aquela película e nada mais.
No entanto, Hereditário possui uma pesquisa própria sobre demônios, é perceptível esse fator quando se observa a utilização de um demônio (daemon, para usar o melhor termo) da goétia, Paimon, incluindo seu selo próprio e traçando ao longo do filme todas as características descritas.
Segundo a goétia, Paimon é o nono rei do inferno, bastante próximo a Lúcifer, que ensina sobre mistérios da existência, governa o dinheiro (não riqueza em aberto, mas dinheiro em específico), dá boas posições na sociedade e pode influenciar e controlar outras pessoas.
Além disso, Paimon é descrito como um daemon do âmbito familiar. A riqueza nos detalhes de pesquisa e sua inserção no filme é um trunfo da boa utilização demoníaca na narrativa de Hereditário.
Veredito sobre Hereditário
Hereditário é mais um filme que veio para sacudir de vez a produção de filmes de terror no nosso século.
Quando filmes como Hereditário, A Bruxa, Midsommar, aparecem nas telonas, estabelecem um padrão de qualidade para os filmes daquele gênero serem vistos com bons olhos pela crítica e público, incentivando a produção de filmes melhor elaborados, com menor apelo comercial.
Hereditário é, portanto, na minha opinião, um clássico instantâneo do terror contemporâneo e uma ode às boas referências. Que venham como vieram em Hereditário, servindo de apoio à originalidade.
Espera, não vai embora agora! Acompanhe outros artigos sobre cinema no nosso blog. Eu reservei um especial pra você que está lendo sobre Ari Aster, seu segundo trabalho de longa metragem: Midsommar.