Crítica | “Cartas para um Ladrão de Livros” retrata a história do maior ladrão de livros raros do Brasil
O documentário aborda os crimes praticados, a partir das perspectivas do próprio ladrão. (? Boutique Filmes / Divulgação)
Pesquisando notícias sobre Laéssio Rodrigues de Oliveira, descobre-se que em sua ficha criminal é recheada de roubos e furtos de obras raras em ao menos 14 instituições como bibliotecas e museus de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco. Fã de Carmem Miranda, Laéssio ganhou a oportunidade de falar sobre sua versão aos fatos apresentados em denúncias à Justiça para os cineastas Caio Cavechini e Carlos Juliano Barros. Com os materiais, ambos transformaram o material no quarto longa-metragem realizado pela dupla. Trata-se do documentário Cartas para um Ladrão de Livros, produzido pela Boutique Filmes, responsável pela primeira produção original da Netflix no Brasil, a série 3%.
O documentário, que tem estreia confirmada para esta quinta-feira, 01 de março, nos cinemas de São Paulo e Rio de Janeiro, foi destaque na programação do Festival do Rio 2017 e pela 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Na sinopse, Laéssio Rodrigues de Oliveira é considerado pelas autoridades brasileiras o maior ladrão de livros raros do país. Ao longo dos últimos cinco anos, o documentário tentou narrar sua trajetória, num percurso que inclui quatro passagens pelo sistema carcerário. Não é uma história comum a do jovem balconista de uma padaria, obcecado por papéis antigos, que passa a frequentar as altas rodas de merchants e colecionadores de arte e, em seguida, as páginas dos cadernos policiais. Ao mesmo tempo, a decisão de contá-la envolve dilemas para os quais nem Laéssio nem o próprio documentário estavam preparados. Ainda que por caminhos tortos, Laessio evidencia a necessidade de o Brasil cuidar de sua própria História.
Resultado de cinco anos de trabalho, o filme surge a partir das correspondências trocadas entre Laéssio e um dos diretores do filme, enquanto eles estava preso. Alguns telefonemas de ambos também são exibidos. Aqui, o espectador vai sentir, através da narração (leitura das cartas) e áudio (conversas via telefonemas), as mazelas de um interno, dentro da carceragem brasileira. Ao todo, Laéssio já passou mais de dez anos detido em penitenciárias de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde atualmente cumpre pena.
Se engana quem achar que vai assistir a um Laéssio vencido ou uma figura oprimida pelo sistema carcerário, o longa revela um homem muito bem instruído, inteligente e que domina a língua portuguesa, como poucos brasileiros. Até pelo tipo de crime, apropriação de obras raras, dá para imaginar que o sujeito não seja tão comum, apesar da sua simplicidade, ele apresenta um rico conhecimento naquilo que sempre buscou: livros raros e caros. Sem dúvida alguma, ele praticou muitos crimes, mas não foi roubar, apenas por roubar. Claro que, no fundo, ele lucrou algo com o que vendeu ilegalmente, mas o conhecimento dele é muito vasto, ele pesquisou e estudou tudo aquilo e isso o espectador vai compreender ao assistir suas entrevistas. Polêmico, o filme apresenta momentos divertidos com Laéssio. Algumas cenas, leva o público as gargalhadas. A simpatia e o bom humor, é uma marca registrada de Laéssio.
O roteiro pegou carona em dois temas que atormentam o país: a importância da preservação da memória histórica e o falido Sistema Carcerário Nacional. A preservação da memória histórica está mais clara em virtude das entrevistas com curadores, diretores de museus e autoridades. A parte carcerária é apenas sentida. A dupla Caio e Carlos, que já trabalharam juntos em Entre os Homens de Bem (2016), Jaci – Sete Pecados de uma Obra Amazônica (2014) e Carne Osso (2011), entregam um ótimo trabalho de pesquisa, ao realizar uma produção sobre um caso lendário que tem a missão de levantar questões de corrupção por parte de certos protagonistas das camadas sociais mais baixas. Porém, pisam em ovos ao tratar do verdadeiro perfil criminoso do seu personagem principal, não que eles tenham feito algo errado ou que aprovem as “peripécias” do ladrão, como Laéssio é chamado no filme, apenas buscaram uma forma mais leve de contar a história do maior ladrão de livros raros do Brasil.
Engraçado, dramático e competente, Cartas para um Ladrão de Livros apresenta um ser humano, que errou, mas tem uma alma boa e não apresenta a crueldade dos grandes e verdadeiros criminosos. Ao final, os mais cristãos vão perceber que Laéssio é digno de compaixão.
Assista ao trailer:
Texto escrito por Alyson Fonseca.