Conversa | Verdade, Opinião e Calúnia
Como que as verdades estão sendo confundidas com mentiras, mentiras com verdades, e como sua opinião é moldada?
Há pouco tempo na rede, um senhor que sentia-se sozinho resolveu criar um canal no YouTube. Fez sucesso, até porque, o YT é um lugar de predominância jovem e um senhorzinho de 72 anos fazendo o famigerado slime – febre entre as crianças e o Lucas Neto -, é inusitado e curioso. Logo Nilson Izaias, o nosso bode expiatório da vez, começou a constar nas linhas de alguns tweets maldosos, acusando-o de estar envolvido em casos de pedofilia. Caso grave! Seu Nilson, assustadíssimo, fez um vídeo para desmentir toda a estória, leia abaixo um trecho de seu desabafo:
“Gostaria de dar um recadinho. Pessoas com má intenção estão falando mal de mim, falando que eu sou isso, sou aquilo. Inventando mentiras, editando vídeo e falando mal de mim. É tudo fake, tudo mentira. Dizendo que eu sou isso, sou aquilo, eles falam, mas não têm provas. Meu canal, sim, os maiores comentários são feitos por mulheres e por crianças e eu tinha que agradecer essas pessoas. Retribuí e agradeci o carinho. Tem gente que tem ‘mente poluída’ e inventa muita mentira. Vocês tomem cuidado, não acreditem. Eu estou assustado com tanta mentira. Estou pensando com bloquear meu canal. Ouvir tanta mentira não dá. Eu aos 72 anos nunca ofendi ninguém, nunca falei mal de ninguém”. (Trecho retirado do site Veja São Paulo).
Quando imputamos a alguém um crime, estamos a cometer a calúnia. Eu digo publicamente que pessoa X fez coisa Y (coisa esta criminosa), e sua reputação é posta em jogo, até que se prove a verdade. E em tempos de internet, as mentiras e as verdades se confundem, as opiniões se travestem de verdade absoluta e cegam seus donos, dificultando a averiguação dos fatos. “Tenho essa opinião e não abro mão!” – quem nunca ouviu, ou até disse isso?
E acerca deste tema, um filme: Aos Teus Olhos, de 2017, de Carolina Jabor; que por sua vez é baseado na peça “O Princípio de Arquimedes”. O filme, quase parecido com o drama real de Seu Nilson, conta a estória de Rubens, professor de natação, interpretado por Daniel de Oliveira, que é acusado de ter beijado um de seus alunos, pré-adolescente, no vestiário do clube donde trabalha.
O boato, ou melhor, a calúnia logo se espalha pelas redes sociais dos pais dos alunos, dos colegas de trabalho de Rubens e até de seus familiares, pondo em xeque sua reputação, honra. Pedofilia é crime, mas como provar a verdade? O filme desenha Rubens com certa dubiedade, fazendo-nos questionar sobre sua versão da história e sobre a versão do garoto molestado – ou “molestado”, entre aspas e dúvidas.
Infelizmente, na era da pós-verdade, o que vale não são os fatos em si, mas sim a opinião das pessoas. Estamos a observar na sociedade que as narrativas exatas – como os fatos, o “é” da coisa -, estão perdendo força ao passo que narrativas fictícias, as famosas “meias verdades”, estão a ganhar força, só bastam elas coadunar-se às minhas próprias opiniões, minhas verdades e visão de mundo.
De acordo com Massimo Maoret, pesquisador sobre comunicação, redes sociais e seu impacto na sociedade como um todo, nós ainda consumimos informações como há cem anos: de forma passiva; ou seja, pegávamos o jornal, líamos e tomávamos tudo aquilo como verdade. Erradíssimo jeito de se tomar notícias nos dias de hoje – precisamos ser ativos em torno das informações que nos bombardeiam a cada segundo. Devemos ser nosso próprio “site” de checagem de fatos, cruzar informações, ler vários sites, blogs acerca do tema que adentrou seu Facebook, Twitter, Whatsapp, etc… Precisamos duvidar mais e acreditar menos.
Goebbels, ministro da propaganda Nazista, disse: “A propaganda jamais apela à razão, mas sempre à emoção e ao instinto” – esta frase sintetiza toda a ideia central destas linhas. Ou usamos a racionalidade, a iluminação, ou voltaremos a queimar as bruxas em praça pública… ou acusar youtubers da terceira idade de pedofilia.
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